quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Relojoeiros




“Os relojoeiros, ao fazer seus relógios, pensavam apenas nos relógios: queriam fazer relógios perfeitos, bonitos, obras de arte. Relojoeiros pensam em relógios. Mas os homens da ciência começaram a ter pensamentos diferentes dos pensamentos dos relojoeiros ao olhar para os relógios. Os pensamentos deles começaram a dar grande pulos, pulos enormes; pularam dos relógios para o universo. Perceberam que os relógios e o universo se pareciam. Eram máquinas análogas. O relógio era um universo pequeno. O universo era um relógio grande. E foi assim que o relógio, de objeto criado para medir horas, passou a ser, de repente, modelo do universo. Assim, para compreender o universo bastava compreender os relógios”.


(Rubem Alves)

Inocencia


Sobre cientistas e pescadores (As semelhanças não são mera coincidência...)




“Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram numa confraria. Para se pertencer à confraria era necessário que o postulante soubesse tecer redes e que apresentasse, como prova de sua competência, um peixe pescado com as redes que ele mesmo tecera. Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto tecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os membros da confraria acabaram por esquecer a linguagem que os habitantes da aldeia haviam falado sempre e ainda falavam. Puseram, no seu lugar, uma linguagem apropriada às suas redes e os seus peixes, e que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsão”.

(Rubem Alves)

Cozinheiro-professor








“Durante anos consecutivos, nossos professores têm aprendido teorias científicas sobre a educação, achando que é assim que se formam professores. Existe, de fato, uma ciência da educação, como também existe uma ciência do piano. Mas a ciência da educação não faz um professor, da mesma forma como o conhecimento da ciência do piano não faz um pianista. Muitos professores maravilhosos nunca estudaram as disciplinas pedagógicas. Se os alunos refutam diante da comida e se, uma vez engolida, a comida provoca vômitos e diarréia, isso não quer dizer que os processos digestivos dos alunos estejam doentes. Quer dizer que o cozinheiro-professor desconhece os segredos do sabor. A educação é uma arte. O educador é um artista. Aconselho os professores a aprender seu ofício com as cozinheiras”




(Rubem Alves)

Inteligencia





“Pensa-se, comumente, que a tarefa de um político é administrar o país: pôr a casa em ordem, construir coisas novas, consertar coisas velhas, cuidar das finanças, da saúde, da segurança, da justiça, dos meios de comunicação, incluída, inclusive, a administração dos meios de escolarização existentes, coisa sob a responsabilidade do ministério da educação. Discordo. Existe uma diferença qualitativa entre aquilo que fazem os ministérios administrativos e aquilo que o ministério da educação deve fazer. A diferença entre eles é simples. Os ministérios administrativos cuidam do hardware do país. Eles lidam com a ‘musculatura’ nacional. O ministério da educação tem a seu cuidado o software do país. Ele cuida da ‘inteligência’ nacional. Seu objetivo é fazer o povo pensar. Porque um país – ao contrário do que me ensinaram na escola – não se faz com as coisas físicas que se encontram em seu território, mas com os pensamentos de seu povo”.


(Rubem Alves)